quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Sentidos


Não olhes para mim, para o mundo, para o dia, para a noite. Fecha os olhos. Não me ouças, despreza toda a palavra que vai ao teu encontro, tapa os ouvidos. Não me toques, larga o que tens nas mãos, tira os pés do chão, liberta-te do tacto. Não fales, não te enganes, não digas o que não queres dizer. Pára de pensar em mim, pára de pensar nos outros.

Agora cuida em ti, olha para ti, ouve-te e sente-te. Fala contigo própria e volta a pensar. Segue o teu destino.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Um comboio sem hora


Eram sete horas, o sol já tingia o céu com tons quentes e, como forma de despedida, mergulhava lentamente numa linha defenida pela água e pelo céu. Estava sozinho, e aproveitei para roubar uns trocos, que a minha mãe escondia na mesinha de cabeceira, para comprar o bilhete do comboio. Deixei-lhe uma carta que explicava a minha ausência, como tentativa de conforto.

Saí e cheguei sozinho. Comprei o bilhete e entrei num comboio velho, mas belo. Era algo melancólico, dentro dele pairava um cheiro acolhedor que suplicava a minha presença. O pó nos bancos não mentia, ali já ninguém se sentava há muito tempo. A ferrugem segredava-me que estava ali manchada pois este nunca mais viajara pelo paralelismo priveligiado onde só os comboios passeavam.

Não havia maquinista, já estava escuro e eu não conseguia ver a hora de partida. Esperei, e nada. Fui embora e, noutro dia, voltei a ver o comboio parado, sem ir a lado nenhum. Hoje, ainda guardo o bilhete no bolso. Pode ser que um dia, o comboio parta. Estar lá ou não estar, só vai depender de mim.